A Ordem dos Pregadores

A Família Dominicana tem sua origem num tempo e numa área geográfica bem longe de nós. Surgiu na Europa da Idade Média, na época das Cruzadas e de Francisco de Assis. Ela brotou a partir da experiência de vida evangélica de São Domingos de Gusmão, aproximadamente em 1170.

Um acontecimento novo mudou radicalmente os rumos da caminhada de Domingos. Na época ele já era membro da comunidade dos Cônegos de Osma, um grupo de sacerdotes que viviam num projeto de vida comum, dedicando-se, sobretudo à oração e ao estudo, e colaborando com o bispo nas suas tarefas. Domingos acompanhava seu bispo Diogo numa missão diplomática ao norte da Europa, quando tomou contato com os hereges do sul da França.

Domingos encontrou-se, naquela região, a dura realidade do abandono da fé por parte do povo cristão. Grupos de pregadores hereges chamados ‘Cátaros’, com a força da palavra e com exemplos de uma vida inspirada na letra do Evangelho, iam difundindo doutrinas contrárias ao próprio Evangelho. O povo cristão, sedento da Palavra de Deus e, em muitos casos, revoltado contra os maus exemplos de sacerdotes e monges, era facilmente influenciado por esta pregação avassaladora, e acabava por afastar-se da vida cristã e da comunhão com a Igreja e seus legítimos pastores.

Domingos experimentou aqui um tipo de ‘fronteira’ da fé: era o povo de Deus, que abandonava a verdadeira fé e a prática da vida cristã. Foram mais de dez anos de trabalho apostólico duro e aparentemente estéril. Uma experiência purificadora, que o levou a descobrir, nos ensinamentos do Evangelho e no exemplo da comunidade dos Apóstolos, os valores e os modos do seguimento verdadeiro de Cristo, como condição indispensável para a missão evangelizadora.

Era preciso voltar ao Evangelho, voltar ao modo de viver e de evangelizar da comunidade dos Apóstolos: “renovar a vida e a missão dos Apóstolos”. Este foi o ideal que se apoderou de todo o seu ser, transformando o jovem cônego de Osma, marcado para ser ‘grande’ na Igreja e na sociedade, no humilde frei (irmão) Domingos, que vivia de esmola e ia pregando o Evangelho a todos, fazendo-se próximo e amigo de todos, sobretudo dos mais pobres.

O exemplo verdadeiro sempre atrai seguidores. Dentro de pouco tempo ao redor de Domingos formou-se uma primeira comunidade de discípulos e colaboradores: homens e mulheres, leigos e clérigos. O primeiro núcleo, de monjas contemplativas, se estabeleceu perto da igreja de Santa Maria de Pruille. Em 1215, o bispo Fulco de Toulouse confiou a Domingos e à sua comunidade a tarefa da pregação itinerante dentro dos limites de sua diocese.

Neste mesmo ano de 1215, Domingos participou, junto com o bispo Fulco, no 4º Concílio de Latrão. Os Padres do Concílio reconheceram a urgência de intensificar a pregação ao povo cristão. Para isso estabeleceram que em cada diocese se escolhessem sacerdotes de vida realmente evangélica que, ficando livres de outros compromissos pastorais, pudessem se dedicar exclusivamente à pregação. Era o que Domingos queria!

No final de 1216 ele obteve do próprio Papa, para a pequena comunidade de Tolosa, o reconhecimento oficial e o título de “Ordem dos Pregadores”. Narra uma lenda antiga que um dia, rezando, Domingos na Basílica de São Pedro em Roma, apareceram-lhe São Pedro e São Paulo. Os dois Apóstolos lhe entregaram o livro do Evangelho e o cajado do peregrino e lhe disseram: “Vai e anuncia o Evangelho pelo mundo inteiro”.

Domingos guiou com amor de pai, por cinco anos, os primeiros passos da obra do seu coração, a nova Ordem dos Pregadores, até que a morte o levou para o encontro do Senhor: foi em Bolonha, na Itália, no dia 6 de Agosto de 1221. Muitos amigos e discípulos deixaram-nos dele o testemunho de um homem que conformou plenamente a sua vida ao Evangelho, seguindo os passos de Cristo e dedicando-se totalmente ao serviço dos irmãos.

“Domingos, Domingos de Gusmão, Domingos do mundo todo, de ti nos ficou a liberdade de recriar em cada tempo e lugar o sempre-novo da verdade, da justiça, do amor. E ficaste tu, companheiro de viagem e de sonhos!”

A semente lançada por Domingos brotou e cresceu com rapidez surpreendente, transformando-se logo numa grande árvore com diversas ramificações: a Família Dominicana.

Ela é hoje uma grande fraternidade espiritual, composta de religiosos padres e irmãos cooperadores, monjas de vida contemplativa, irmãs de vida apostólica, padres diocesanos, leigos e leigas. Distinguem-se nela cinco ramos fundamentais, conforme os diversos modos de encarnar o carisma de São Domingos:

Os Frades: São os religiosos, ordenados e não ordenados, que vivem conforme o projeto de vida religiosa, radicalmente inovadora, suscitado por Domingos. Os monges vivem na ‘fuga do mundo’; os dominicanos na inserção mais plena no mundo, sobretudo nos centros urbanos, no compromisso com a realidade. O claustro dos monges têm uma única abertura, para o céu; o claustro dos dominicanos têm, sim, a abertura para o céu, mas têm também a porta sempre aberta para o mundo, para acolher e para andar. Os monges fazem voto de estabilidade no mosteiro; os dominicanos praticam a itinerância mais radical, para anunciar o Evangelho de Cristo aos irmãos dos quatro cantos do mundo. Hoje os frades da Ordem estão presentes em mais de oitenta países, nos cinco continentes. No Brasil atuam em comunidades situadas, especialmente, na parte central do país.

As monjas contemplativas: fundadas pelo próprio São Domingos, elas vivem no silêncio do mosteiro, mas participam plenamente da missão apostólica da Ordem, colocando-se como sinais e testemunhas vivas dos valores evangélicos. A característica própria dos mosteiros das contemplativas dominicanas é de estar inseridos, junto com os conventos dos frades, nos centros urbanos, como sinal profético do absoluto de Deus no meio dos homens, como mestras de oração e da experiência de Deus, como intercessoras para a humanidade e para a missão apostólica da Igreja e de toda a Família Dominicana. É significativo lembrar que, desde o começo, elas foram consideradas como parte integrante da Ordem dos Pregadores, sendo conhecidas e reconhecidas como as “monjas pregadoras”! No Brasil existe atualmente uma comunidade de monjas dominicanas: o Mosteiro de Cristo Rei, em São Roque, no interior do Estado de São Paulo.

As Fraternidades Leigas Dominicanas: são homens e mulheres, que vivem no mundo, vivenciando a espiritualidade e a vida apostólica da Ordem. É a forma mais antiga de pertença de leigos e leigas à vida dominicana. Sua origem remonta aos tempos de São Domingos e dos primeiros frades: o estilo de vida evangélica e a fecundidade apostólica das comunidades dos frades e monjas dominicanas que iam se multiplicando em toda a Europa, despertava em muitos leigos e leigas o desejo de participarem, na medida do possível, da espiritualidade e do carisma apostólico destes novos frades e monjas. Este desejo se concretizou na organização de grupos ou “confrarias”, tendo uma regra de vida que ajudava a vivenciar, nas condições próprias do leigo, a vida dominicana com seus valores de espiritualidade evangélica e com seu compromisso apostólico no mundo. Ao longo dos séculos verdadeiras legiões de leigos e leigas realizaram sua vocação cristã seguindo os passos de Domingos, no caminho da Fraternidade dominicana. Lembramos entre eles: Catarina de Sena, a jovem analfabeta italiana proclamada, pela sua doutrina espiritual, “Doutora da Igreja”. Rosa de Lima, jovem leiga do Peru, primeira santa canonizada do novo Mundo. Giorgio La Pira, o prefeito santo da cidade de Florença, na Itália. O jovem Piergiorgio Frassati, morto aos 24 anos por uma doença contraída nas visitas aos pobres dos cortiços, da cidade de Turim. No Brasil existem atualmente 18 Fraternidades já constituídas e várias em formação.

Outros grupos de Leigos Dominicanos: Além desta forma mais tradicional de vida dominicana “leiga” representada pelas Fraternidades, existem várias outras articulações e grupos de leigos que estão em comunhão com a Ordem e são parte da grande família espiritual de São Domingos. Eles têm níveis e formas diferentes de pertença na Ordem, mas todos se reconhecem na vivência de sua espiritualidade e na participação ao seu carisma apostólico. Também no Brasil temos hoje vários tipos e modos desta pertença ‘leiga’. Lembramos, por exemplo, o “Movimento Juvenil Dominicano”, que agrega ao redor do ideal dominicano adolescentes e jovens de várias regiões do país, o “Grupo Solidários de São Domingos”, atuante na defesa dos direitos humanos, as “Associações de Pais e Professores” ligados aos Colégios das Irmãs Dominicanas. Muitos leigos e leigas participam do Comissão dominicana de Justiça e Paz, junto com frades e irmãs do Brasil. Muitos leigos dominicanos são ativos nas nossas paróquias e em várias pastorais de Igreja. Os púlpitos de todos estes leigos e leigas “pregadores” e “pregadoras”, não estão propriamente nas igrejas, mas fora das igrejas: na família, no mundo do trabalho, nas escolas, nos hospitais, na política, na economia, no serviço social, enfim, no “mundo”, na mais plena inserção e no compromisso com a realidade. Eles foram entre os primeiros discípulos de Domingos, os primeiros colaboradores de sua pregação. Eles estão na vanguarda de uma Ordem que Domingos quis presente e atuante no ‘mundo’ e nas ‘fronteiras’.

As Irmãs Dominicanas: temos hoje um número muito grande de Congregações religiosas femininas dominicanas. Elas são o ramo mais recente da grande Família de São Domingos, sendo que estas Congregações foram fundadas, na grande maioria, a partir de 1800, como uma porção significativa daquele verdadeiro ‘milagre’ do florescimento dos ‘carismas da caridade’, numa época em que a sociedade moderna perseguia os religiosos e os expulsava dos conventos, alegando que eles eram “socialmente inúteis”. A Família Dominicana conta atualmente com mais de 150 Congregações femininas de vida apostólica, somando mais de trinta mil irmãs, presentes e atuantes nos cinco continentes. Elas vivem como mulheres consagradas ao Senhor, dedicando-se à educação, ao ensino, ao acompanhamento pastoral de comunidades e às mais variadas formas do serviço social em prol dos empobrecidos e marginalizados. As irmãs dominicanas testemunham hoje, no mundo inteiro, a solidariedade de Cristo e de Domingos para com os últimos e os excluídos. No Brasil, estão presentes atualmente 15 Congregações de Irmãs dominicanas. Suas casas e suas obras sociais se espalham do Sul ao Norte em quase todas as regiões do País.

A Família Dominicana, a grande família espiritual que oito séculos atrás brotou do coração de Domingos, continua viva e atuante na Igreja e no mundo de hoje. Ela carrega consigo toda a riqueza do seu passado e a sempre renovada liberdade de recriar o novo da verdade e da justiça, a serviço da humanidade a caminho, neste começo do terceiro milênio.
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